Nova função para um antigo aliado

Pesquisas investigam o potencial do ácido ascórbico, ou vitamina C, no combate à depressão.

Enquanto a indústria farmacêutica aposta suas fichas no desenvolvimento de medicamentos cada vez mais sofisticados (e caros) para o combate à depressão, pesquisas brasileiras indicam que um velho conhecido pode ser bastante útil contra a doença. Especialistas do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) avaliam o uso de ácido ascórbico – a famosa vitamina C – no tratamento da depressão associada a processos inflamatórios, presente em parte dos pacientes.

“Para cada doença de cunho inflamatório, como diabetes, asma e obesidade, existe uma porcentagem de aumento de chances de desenvolver depressão. No caso de processos inflamatórios crônicos, essas chances aumentam”, explica a bioquímica Ana Lúcia Rodrigues, que apresentou os resultados obtidos por seu grupo de pesquisas no 31º encontro da Federação Brasileira de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), realizado de 29 de agosto a 1 de setembro em Foz do Iguaçu (PR). “Temos um conjunto de evidências que dão uma boa indicação de que o ácido ascórbico pode ser efetivo nestes casos”, acredita a pesquisadora, coautora de um artigo sobre o tema publicado em julho deste ano no periódico Pharmacological Reports.

Com trabalhos sobre os processos moleculares envolvidos na depressão publicados regularmente nos últimos anos, o grupo da UFSC trabalha com a substância aplicada em ratos, que são tratados para desenvolver um comportamento semelhante ao de indivíduos deprimidos. A lógica por trás da escolha do ácido ascórbico está relacionada a uma série de mecanismos moleculares que, acredita-se, podem entrar em ação no desenvolvimento da depressão. “Existem vários marcadores inflamatórios ativados no cérebro de uma pessoa com depressão”, diz Rodrigues. “Nosso grupo trabalha para diminuir a neuroinflamação e compreender os moduladores do neurotransmissor glutamato, que têm sido alvo de investigação para fármacos com efeito antidepressivo”, completa.

Hipótese promissora

A relação entre a inflamação no cérebro e a depressão ainda não está comprovada pela ciência – por enquanto, não passa de hipótese. Entretanto, trata-se de uma possibilidade bastante frutífera

A relação entre a inflamação no cérebro e a depressão ainda não está comprovada pela ciência – por enquanto, não passa de hipótese, assim como outras conjecturas relacionadas ao transtorno. Entretanto, segundo Rodrigues, trata-se de uma possibilidade bastante frutífera considerando o panorama atual de pesquisas. “É a hipótese mais recente e surgiu a partir de observações clínicas sobre a depressão associada a inflamações periféricas”, diz a pesquisadora. Essas inflamações ativariam citocinas que atingiriam o sistema nervoso central e causariam ativação microglial. As micróglias atuam na defesa do sistema nervoso, e sua ativação estaria relacionada ao aumento de mediadores e citocinas inflamatórias no cérebro, além de outros fatores neuroquímicos associados, como a ativação de neuroreceptores que produzem oxidação.

A explicação é complementar a hipóteses anteriores que investigam a fisiopatologia da depressão. A primeira delas, surgida na década de 1960, está relacionada à redução de monoaminas (como a serotonina e a dopamina) no cérebro. Porém, diante pacientes em que o aumento das monoaminas provocado por medicamentos não trazia melhora efetiva, cientistas começaram a especular a possibilidade de que o sistema nervoso fizesse adaptações a longo prazo para manter a redução. A hipótese inflamatória postula que processos inflamatórios podem estar relacionados a essas transformações. “Já sabemos que existem várias alterações no cérebro de indivíduos com depressão, como redução de monoaminas, aumento do glutamato, estresse oxidativo e neuroinflamação”, diz Rodrigues, que também teve um trabalho sobre novas abordagens para o tratamento de depressão publicado em janeiro no European Journal of Pharmacology.

Efeito combinado

Até agora, os estudos conduzidos pela equipe da pesquisadora mostraram que o ácido ascórbico foi eficaz para reverter uma resposta depressiva do grupo de citocinas conhecido como fator de necrose tumoral-alfa (TNFα), um dos mediadores inflamatórios provavelmente relacionados à depressão – em 2012, o grupo da universidade catarinense publicou artigo mostrando que a administração da substância traz uma resposta depressiva em camundongos –, e para bloquear um dos receptores de glutamato. “O receptor é o mesmo bloqueado pela quetamina, que é uma substância ainda em fase de testes, mas que vem mostrando bons resultados, com efeito antidepressivo em poucas horas em pessoas com depressão severa, que não respondem a outros fármacos”, afirma a especialista.

Em testes com o ácido ascórbico associado a três tipos de antidepressivos disponíveis no mercado, a substância se mostrou ainda mais promissora, pois potencializou os efeitos dos fármacos. “Além disso, utilizamos doses mais baixas do que as que são consideradas efetivas destes medicamentos, e o tratamento trouxe resultados”, conta Rodrigues. “Como o ácido ascórbico não tem efeitos colaterais e permite a diminuição na dose dos outros fármacos, podemos reduzir os efeitos adversos do tratamento, que fazem muita gente desistir”, pontua a pesquisadora, que também analisa a ação do ácido ascórbico contra a ansiedade.

 

Simone Evangelista (*)
Especial para a CH Online
(*) A jornalista viajou para Foz do Iguaçu a convite da Fesbe.