Cientistas avançam no uso de derivado do veneno de aranha contra impotência
Substância sintética baseada em veneno tratou disfunção erétil em ratos.
Peptídeo PnPP19 tem efeito da toxina natural, com menos efeitos colaterais.
Mariana Lenharo, G1 – 31/08/2016
Uma pesquisa que se desenvolve há cerca de 10 anos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pode resultar em uma alternativa de tratamento para homens com disfunção erétil que não podem recorrer aos medicamentos já existentes. O tratamento é baseado em um derivado sintético, obtido a partir do estudo com uma toxina do veneno da aranha armadeira e já chamou a atenção de empresas farmacêuticas, que podem trazer o aporte financeiro necessário para levar os estudos à fase clínica, de testes em humanos.
Veneno de aranha é usado em pesquisa contra disfunção erétil
A ideia de estudar o veneno da armadeira – que tem o nome científico Phoneutria nigriventer, e tem esse nome porque ela levanta ou “arma” as patas dianteiras antes de atacar – veio da observação de que homens picados por ela apresentavam priapismo, uma ereção prolongada, dolorosa e independente de estímulo sexual.
“Nossos colegas colaboradores, da Fundação Ezequiel Dias (FUNED), em Belo Horizonte, separaram dezenas de componentes ou toxinas [pequenas proteínas, chamadas também de peptídeos] desse veneno e verificaram que duas dessas toxinas provocavam ereção quando eram injetadas em ratos. Propusemos entender o que faz uma dessas toxinas causar o priapismo”, diz a pesquisadora Maria Elena de Lima Perez Garcia, professora do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG, que apresentou os resultados do estudo de seu grupo na 31ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), em Foz do Iguaçu, nesta terça-feira (30).
Toxina da armadeira x peptídeo sintético
Seu grupo de pesquisa observou que a toxina realmente promovia a ereção em ratos e camundongos, mas ao mesmo tempo levava a vários efeitos colaterais, como problemas cardíacos.
Por isso, o grupo desenvolveu e sintetizou no laboratório um peptídeo inspirado na toxina natural, nomeado PnPP-19. “Essa molécula é bem menor e fácil de fazer no laboratório. Para a nossa surpresa, ela foi capaz de manter a função de potenciar a ereção sem toxicidade aparente para os animais. Ela tem baixíssima imunogenicidade, ou seja, praticamente não gera a produção de anticorpos contra ela no organismo”, conta Maria Elena. Além de não provocar dor, como a toxina original que leva ao priapismo, o peptídeo tem inclusive efeito analgésico, além de não prejudicar o tecido erétil, o que pode ocorrer no priapismo, observado com a toxina.
A vantagem em relação aos medicamentos convencionais como o Viagra, segundo a pesquisadora, é que vários deles são contraindicados para pessoas que tomam remédio para controle de pressão porque eles também provocam abaixamento de pressão. Já o PnPP-19 não demonstrou ter nenhum efeito sobre a pressão arterial ou sobre o coração.
“Parece ser um bom modelo de um possível medicamento que possa atender pelo menos essa classe de pacientes que não podem tomar os medicamentos convencionais, ou que não respondem bem aos mesmos”, diz a pesquisadora.
A equipe testou o uso do PnPP-19 em ratos, em duas formas: injeção e creme para uso na pele. “Nossa principal proposta é para uso tópico. Seria um “tipo de pomada” ou formulação para o homem passar na virilha, por exemplo. Experimentos ainda preliminares nos ratos, indicam que esta via de administração pode funcionar: a aplicação do creme levou a uma ereção. Entretanto, novos estudos são necessários pois nem sempre o que se vê no modelo animal funciona da mesma forma no homem.
Expectativa por uma nova droga
Os pesquisadores já fizeram um depósito de patente do peptídeo e atualmente a UFMG está preparando um edital para que empresas farmacêuticas interessadas possam concorrer e uma delas possivelmente vir a apoiar a pesquisa, bem como os testes toxicológicos exigidos para que o peptídeo possa resultar em um medicamento.
“Se tiver a devida parceria com uma empresa, esperamos dar um salto porque a universidade não pode arcar com todos esses custos que antecedem os testes em humanos. Frente ao interesse já manifestado por algumas empresas, acredito que, com o devido apoio, e, caso os testes exigidos sejam adequados e mostrem definitivamente que o produto é seguro para o uso em humanos, poderíamos ter um produto em cinco anos no mercado. Não sei se é uma previsão otimista, mas tudo vai depender do apoio e do investimento que possamos obter das empresas”.