Descreditar sem provas para assassinar reputações, montar factoides em parceria com veículos de comunicação, confundir a opinião pública com palavras de ordem vazias, tudo para construir uma atmosfera em que a figura do “probo” aparece para limpar a situação. O caso do Instituto Butantan é apenas mais um exemplo do que se tornou prática corrente no país. Porém, por se tratar de uma das maiores instituições científicas do Brasil, a recente intervenção política no Butantan revela o quanto a disputa pelo poder institucional não leva mais em conta a manutenção do bem público. Ao contrário, interesses específicos orientam as ações, que não mais primam por uma arquitetura sólida, desprezando a inteligência da sociedade, atônita diante de tantos casos semelhantes.
Apesar de a mídia enfatizar que se trata de uma disputa entre o secretário estadual da saúde, David Uip, e o ex-diretor da instituição, Dr. Jorge Kalil, cuja animosidade é antiga e se acirrou nos últimos anos, trata-se certamente de uma cortina de fumaça. O foco na querela pessoal impede que se veja o quanto o Instituto Butantan cresceu nos últimos anos, tornando-se um ator fortalecido no cenário mundial da saúde pública. O desenvolvimento do setor produtivo da instituição e a qualidade de suas pesquisas fez com que ela participasse do debate global, formulando ações e construindo parcerias que culminaram na vacina dengue Butantan, uma vacina nacional que deve solucionar um problema mundial. Além da inserção no mercado internacionalizado da indústria farmacêutica, reconhecido por seu vale-tudo que ultrapassa a ética e a moral, o atual Butantan também surpreende por sua contabilidade positiva, o que é raro em instituições públicas nacionais. Para se ter uma ideia concreta, está previsto para este ano um faturamento de R$ 1,6 bilhão.
Mais do que uma disputa entre dois cientistas poderosos, com a mídia se posicionando de forma extremamente tendenciosa, a atual intervenção política em curso no Butantan parece revelar os impasses do momento brasileiro, muito marcado pelo cálculo imediatista que se sobrepõe às instituições e, consequentemente, à sociedade. O caso do Butantan reitera o quanto a verdade factual não está em questão e o quanto a corrida pela representatividade define quem parte na frente.
E, neste caso, quem partiu na frente foi a Secretaria de Saúde, que pautou a imprensa com uma fonte mantida em sigilo desde 2015, uma auditoria realizada sob encomenda por uma empresa obscura. A atual crise do Butantan se dá a partir da saída do diretor de sua fundação, a Fundação Butantan, entidade privada cuja missão é subsidiar as ações do Instituto. Uma auditoria contratada pela Secretaria da Saúde enfatiza aspectos que o repórter César Tralli, da rede Globo, afirma ser “uma série de irregularidades”. Porém, um jornalista comprometido sabe que a fonte deve ser sempre interpretada para além dos discursos que buscam dominá-la em favor próprio. Neste caso, a auditoria contratada pela Secretaria apresenta fragilidades que não a creditam como fonte confiável. Ou seja, tudo aponta para uma peça bastante familiar nos meios políticos: a construção de dossiês com intenções escusas. Não bastasse a fonte duvidosa, constata-se que esta foi formulada a partir também de sugestões de Dimas Covas que, surpreendentemente, hoje foi nomeado diretor do Instituto Butantan.
Com a saída de Jorge Kalil, fica para a opinião pública a impressão de que um caso de corrupção foi resolvido, enquanto que para a comunidade de pesquisadores do Butantan a luta pela verdade apenas começou. Os pesquisadores prometem buscar formas de se contrapor ao discurso hegemônico midiático. Quem vai prevalecer?
Tudo dependerá do posicionamento da sociedade, que até agora tem se colocado do lado da infâmia consumida passiva e diariamente. O certo é que todo o atual projeto do Instituto Butantan está em jogo, e a interrupção abrupta de uma gestão coloca em risco ações como a vacina dengue Butantan, as pesquisas sobre o zika vírus e tantas outras pesquisas e ações fundamentais para a saúde pública.
Pesquisadores e Funcionários do Instituto Butantan