Instituto Ciência Hoje 23/09/2016

Nem tudo que reluz…

A canela é conhecida por trazer benefícios à saúde. Porém, em ensaios com animais, a especiaria agravou hipotireoidismo e provocou disfunções endócrinas.

Muita gente atribui a ação da canela na ativação do metabolismo basal às propriedades termogênicas da especiaria. Entretanto, segundo Karen Oliveira, tudo não passa de lenda urbana, pelo menos até agora. “A ação termogênica da canela nunca foi provada, pelo menos em humanos”, revela. Figurinha fácil em discussões sobre o controle da obesidade, a canela é quase o santo graal das especiarias. Além de ativar o metabolismo basal, estudos apontam que a substância tem ação antioxidante, reduz a gordura corporal, regula a imunidade, controla o diabetes mellitus tipo 2 e pode até contribuir para o funcionamento da memória.  Entretanto, pesquisas realizadas na Universidade Federal Fluminense, do Rio de Janeiro, sugerem que o consumo da substância pode trazer efeitos adversos importantes causados por alterações no sistema endócrino.

Entre as descobertas mais significativas dos pesquisadores brasileiros, estão indícios de que a canela pode reduzir a concentração da forma biologicamente ativa do hormônio produzido pela tireoide, o T3, em circulação no organismo. Segundo a fisiologista Karen de Oliveira, a alteração não chega a causar hipotireoidismo em indivíduos saudáveis, mas deve ser observada com atenção. “Os estudos sugerem que os efeitos dos hormônios tireoidianos estão diminuídos no fígado, no coração e na hipófise. Não chega a ser grave, mas como saber se essa diminuição não pode causar outros problemas?”, questiona a especialista.

Oliveira apresentou os resultados de seis anos de pesquisa de seu grupo de estudos sobre a canela durante a 31ª Reunião Anual da Federação de Sociedades Brasileiras de Biologia Experimental (Fesbe), em Foz do Iguaçu.

O caminho dos pesquisadores até os efeitos negativos do consumo da canela começou com questionamentos sobre as benesses da especiaria em indivíduos saudáveis. “Pesquisas anteriores mostraram que, em pessoas com diabetes mellitus do tipo 2, o consumo de uma colher de chá de canela por dia já traz efeitos importantes na regulação glicêmica”, diz Oliveira. “Começamos a nos perguntar sobre a ação do extrato de canela sobre o metabolismo de indivíduos sem alterações significativas”, explica.

Com base nos dados do tratamento em humanos, os pesquisadores realizaram um experimento em ratos. Para isso, ofereceram, durante 25 dias um suplemento alimentar a animais machos e saudáveis – a quantidade era equivalente ao consumo diário de 4g gramas de canela para um humano adulto de 60kg.

Após constatar a diminuição do T3 por meio de exames de sangue, a equipe avaliou a expressão gênica de receptores hormonais, enzimas de metabolização e proteínas importantes para a resposta endócrina e para a fisiologia dos tecidos do coração, do fígado e hipófise. A investigação revelou que os marcadores para o hormônio tireoidiano estavam menos ativos do que o esperado, comprovando a diminuição dos efeitos do T3 nestes tecidos.

As alterações endócrinas provocadas pela ingestão de canela podem ser diferentes de acordo com as fases da vida

O passo seguinte foi repetir o experimento com ratos que apresentavam hipotireoidismo. Como previsto, a ingestão de canela agravou o problema. “Também percebemos que a ação clássica da canela para metabolismo de gordura deixa de existir nestes casos”, relatou Oliveira.

 

Impactos tardios

Outros dois trabalhos da mesma equipe, ainda não publicados, mostram que as alterações endócrinas provocadas pela ingestão de canela podem ser diferentes de acordo com as fases da vida. Os impactos mais sensíveis, sugerem os estudos em animais, seriam sentidos por bebês cujas mães recebem suplementação de canela durante a gravidez e a amamentação. Segundo a pesquisadora, essa ingestão pode gerar impactos tardios na vida do bebê, como obesidade na vida adulta.

“Observamos a prole de ratas suplementadas a curto e a longo prazo. Dez dias após o período da lactação, os filhotes apresentavam disfunção tireoidiana e redução na resposta ao T3, que é um importante estimulador do metabolismo ”, relata Oliveira. “Seis meses depois, haviam desenvolvido obesidade, com muita gordura visceral, hiperinsulinemia e disfunção metabólica”, diz a fisiologista, ressaltando que a pesquisa poderá trazer alertas importantes a mães, sobretudo após o parto. “Como a ação da canela sobre o metabolismo é amplamente conhecida, muitas mulheres se interessam em consumir a substância para o emagrecimento após o parto, o que pode trazer riscos para o bebê”, alerta.

Já uma comparação entre o consumo de canela por ratos adolescentes e adultos saudáveis indica que apenas os animais na puberdade apresentam resultados similares aos de pesquisas com pacientes diabéticos em relação à maior capacidade de secretar insulina e regulação de glicose. Entretanto, Oliveira ressalta que os resultados não implicam necessariamente em benefícios para adolescentes que aumentarem o consumo da especiaria.  “A insulina é importante para a formação de proteína muscular, mas também para a formação de gordura. Como não fizemos observações a longo prazo, não é possível dizer se esse efeito é benéfico ou não, pois os indivíduos poderiam se tornar obesos no futuro”, acredita a pesquisadora.

 

Simone Evangelista (*)
Especial para a CH Online
(*) A jornalista viajou para Foz do Iguaçu a convite da Fesbe.