Intitulado “Tragédia científica”, o artigo foi publicado na página de opinião do Jornal O Globo em 17 de janeiro de 2018. Confira aqui o texto na íntegra.
“Triste uma nação que não investe no amanhã e que se exime de aprender com outras mais bem-sucedidas.
Nossa ciência tem contribuições de impacto mundial. Podemos nos referir à produtividade da soja, da carne bovina e de aves, e às respostas rápidas na descoberta da associação entre zika e microcefalia ou na produção da vacina da febre amarela.
Em dezembro, o Congresso Nacional aprovou o Orçamento para 2018, com corte de 19% no orçamento para ciência, tecnologia e inovação (CT&I) comparado a 2017. O montante significa 40,5% do valor de 2016.
Essa drástica redução ameaça o sistema nacional de CT&I, que garante o funcionamento de instituições como Embrapa e Fiocruz, além das universidades públicas que desenvolvem pesquisas. Os cortes terão impacto imediato na continuação das pesquisas e afetarão a formação e o treinamento de novos pesquisadores, no longo prazo.
Por aqui, confundem-se ações pontuais com políticas de Estado, e as poucas existentes são constantemente atacadas pelos dentes e garras vorazes do populismo, muitas vezes em proteção de sistema endemicamente corrupto.
Há pouco, o Programa Ciência sem Fronteiras enviou cerca de cem mil jovens para o exterior. Ao retornarem, são flagrados com o esvaziamento absoluto do sistema.
Uma das principais formas de financiamento no País é o Edital Universal, programa do CNPq, instituição vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação. Este programa atende a cinco mil projetos de pesquisa em todo o território nacional, mas encontra-se paralisado.
Dos R$ 200 milhões aprovados no edital de 2016, foram pagos R$ 115 milhões. Há dois anos, aguarda-se a liberação dos restantes R$ 85 milhões, que incluem o pagamento de milhares de bolsas de iniciação científica.
Mesmo assim, o valor aprovado representa um investimento de apenas R$ 20 mil por projeto ao ano — ou R$ 1.600 ao mês. Conclui-se que os valores de financiamento são ínfimos e, portanto, muito longe de atender às necessidades de um laboratório de pesquisa.
O Edital Universal 2018 já deveria ter sido anunciado, e o contingenciamento instala o caos.
O que se observa é um desânimo disseminado, o que contribui, não raro, para a fuga de cérebros, ou seja, jovens brasileiros optando por oportunidades no exterior.
Somos capazes de compreender um orçamento que limite as despesas públicas, na chamada emenda constitucional do Teto dos Gastos, por entender a finitude dos recursos e sua priorização. Porém, achamos necessário que essa restrição esteja acoplada ao combate à corrupção e, principalmente, à busca pela efetividade dos investimentos.
Neste sentido, o valor habitual atribuído ao Edital Universal, oscilando ao redor de R$ 200 milhões, contrasta fortemente com a alocação de R$ 1,7 bilhão para o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas para custear as eleições deste ano, correspondendo a 8,6 vezes o que se costuma investir em CT&I, no seu formato mais tradicional e abrangente.
A história já mostrou, e exemplos contemporâneos salientam, que uma nação precisa investir em educação, CT&I. Sem a constância do financiamento, através de medidas simples como o Edital Universal, aguardaremos passivamente a tragédia que está por vir.”